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Entrevista: Márcio e Julio Koth, da Jardim Elétrico



A banda Jardim Elétrico surgiu na contramão da sua época. Na Pato Branco do fim dos anos 80 a cena roqueira estava repleta de bandas punk, e os novos grupos eram reféns da precariedade de instrumentos, equipamentos e de informação. Nesse clima de improviso os irmãos Márcio, Julio e Mauro Koth, as cabeças por trás da banda, queriam extrapolar os três acordes básicos do punk e mergulhar no virtuosismo do rock progressivo. Mais do que isso, queriam ser profissionais.

Incentivo não faltou. A música já estava dentro de casa quando os rapazes nasceram. Das baterias improvisadas com latas e do violão velho do pai surgiria a banda que, ao lado dos beltronenses da Paraná Blues, esteve pelos últimos 20 anos na linha de frente do rock independente do Sudoeste do Paraná.

Em Rondônia, o irmão mais velho, Mauro, criou o Jardim Elétrico, nome que seria adotado pela banda que Márcio e Julio manteriam em Pato Branco.

O grupo não era uma brincadeira para a família de músicos. As mais corriqueiras apresentações em bares eram ensaiadas exaustivamente. Da experiência veio um disco, recheado de letras do baú de composições de Mauro, alimentado desde os anos 70.

Por conta disso o disco que fala em hippies e em saudade pode soar nostálgico para a época em que foi lançado. “Janelas e Portas” saiu em 2001, quando o rock da moda brincava com a tecnologia e se misturava com a música eletrônica.

Hoje a Jardim Elétrico é uma lembrança, e os irmãos Koth, ambos professores, encaram os palcos como hobbie.

De onde surgiu o interesse por música?

Márcio: Quando eu era criança eu já vivia batendo panela (risos). Nosso pai era músico, ele tinha um violão velho e eu acabei me interessando por ele. Na verdade ele era dentista, mas sempre gostou de música, chegou a estudar inclusive, mas costumava tocar em casa. E assim como nossos irmãos mais velhos, o Mauro e o Valério, eu acabei me interessando por música.

Julio: Eu sou o mais novo e quando eu nasci já tinha um monte de instrumentos em casa. Claro que era tudo precário. Os violões eram ruins e a gente chegou até a fabricar um baixo (risos).

Fizemos a caixa de madeira, compramos um captador, enfim, era uma coisa, nunca funcionou aquilo (risos). Fizemos ele em flyng V, pois era mais fácil de cortar.

Qual foi o primeiro instrumento a que vocês se dedicaram?

Márcio: Quando eu achei o violão velho sem cordas, atrás de um guarda roupa, eu me encantei por aquilo. Meu pai me matriculou em uma escola de música, comprou um violão novo, e assim comecei a aprender. Eu aprendia os acordes na escola e ensinava para os irmãos. Nós quatro montamos uma banda em casa mesmo.

Julio: Eu caí na bateria, pois ninguém queria tocar. E como tudo era muito precário, a bateria era feita com latas de Neston, o prato era uma tampa, as baquetas era galhos de árvore e assim por diante, era uma barulheira. Nós tínhamos uma vizinha que tocava piano, e minha mãe teve a brilhante ideia de me colocar para estudar. Piano não incomoda tanto, né? (risos). Mesmo assim não larguei da bateria.

Estudei piano por muito tempo, foi o único instrumento que eu tive a oportunidade de estudar formalmente. Eu me formei em conservatório, cursei Belas Artes, em Curitiba, estudei música clássica, que era um pouco fora do que os meus irmãos estavam fazendo. Eles estavam mais envolvidos com o rock, com o blues, um pouco de seresta, que o nosso pai gostava também.  

Como surgiu a Jardim Elétrico?  

Márcio: Quando o nosso irmão mais velho, o Mauro, saiu do quartel ele foi morar em Rondônia. Lá ele montou uma banda chamada Jardim Elétrico. Nós também tocávamos por aqui, mas não tínhamos uma banda formada. Quando ele passava as férias em Pato Branco nós nos reuníamos para fazer apresentações. Havia o Cliseu Pasa, na bateria, o Julio tocava teclado, conhecíamos o Leandro Nezelo, e aí a banda foi se formando. O Mauro foi embora e nós continuamos. Ensaiávamos em um porão, que depois se tornou o Farol (antiga casa noturna em Pato Branco). Então havia dois Jardins Elétricos, uma banda no norte, com o Mauro, e nós aqui.  

Onde foi o primeiro show da banda?  

Márcio: Foi na Petisquera, um bar que existiu em Pato Branco. Era pra ter sido no Rock in Ruzza, mas para variar, choveu. Chegamos a ir até lá, mas com a chuva ninguém se apresentou.   

Julio: Voltamos de carona no camburão da polícia (risos). Não aprontamos nada, foi só uma carona mesmo. Todo mundo entrou nos bancos, e quando chegou a minha vez sobrou a gaiola, atrás (risos).

Márcio: Naquela semana me avisaram que haveria um festival de bandas na Petisquera. Chamei o pessoal e fomos tocar lá. Foi um show bem legal inclusive, o pessoal gostou bastante. O proprietário então nos convidou pra tocar mais vezes. Aceitamos e começamos a ensaiar, tínhamos umas oito músicas no repertório.

Julio: (risos) E tocávamos umas três horas e meia.

Como era a cena cultural em Pato Branco no início da década de 90? Havia outras bandas de rock?

Márcio: Tinha sim. Mas era bem amador. Por outro lado, o movimento cultural me parecia ser muito mais forte.

Julio: Havia muitas bandas com influência do punk, pelas características do gênero e até pela dificuldade de aprender; na época não havia muitas escolas música. Aprendíamos a tocar na raça, descobrindo os acordes; hoje na internet há tabelas com todos os acordes que existem. Naquela época nós comprávamos as revistinhas, que vinham com letras erradas, com acordes errados. O punk fazia sentido nesse clima de improviso, sua base é o faça você mesmo. Mas quando começamos pensávamos em uma proposta diferente.
 
E qual era?

Márcio: Gostávamos muito de rock progressivo. Tocávamos muito Pink Floyd, inclusive algumas canções lado B que pouca gente conhecia nos nossos shows, como Pigs, Nile Song, Lucifer Sam.

A ideia era então formar uma banda de rock progressivo?

Julio: Não necessariamente. A gente queria tocar as músicas que gostávamos.

Márcio: Mas queríamos tocar bem, e por isso ensaiávamos muito. Eram três, quatro horas de ensaio, de segunda a quarta pra tocar de quinta a sábado.

O nome da banda sugere que os Mutantes foram uma grande influência. Quais foram as outras?

Julio: Beatles é a principal. Também teve The Who, Rolling Stones, Secos & Molhados, Rita Lee, Creedence (Clearwater Revival). A gente tocou muito Jethro Tull, Yes. Naquela época as pessoas iam aos bares também para conhecer músicas. Pouca gente conhecia Mutantes, ou esse lado mais alternativo do Pink Floyd; o disco mais conhecido era o The Wall. Hoje em dia o pessoal vai para o bar ouvir as coisas que são famosas, porque é mais fácil conhecer outras músicas e artistas pela internet. 

Na minha concepção, as pessoas frequentavam o bar com a cabeça mais aberta, elas iam também para ouvir sons novos, e a gente fazia a nossa parte. No fim dos shows as pessoas nos perguntavam quais eram aquelas músicas. Muita gente diz que começou a ouvir certos sons por nossa causa.   

Márcio: E existia um movimento cultural forte também. O Luiz Machado, por exemplo, que era nosso empresário (risos), era jornalista, escritor, poeta. O Kalu Chueiri que é escultor, sempre fez parte dessa galera. O Clovis, que é cineasta hoje; O Celio Leonardi, poeta; O Chico Link era um cara que tinha muito acesso a música, e nos apresentou muita coisa também. Ele tinha um programa no rádio, chamado A Hora do Blues. O Gilbert Antonio era colunista, e sempre falava sobre cultura, sobre música, sobre nós, que chegamos a musicar um poema dele. Então os artistas andavam sempre juntos.   

O “Janelas e Portas” foi o único disco da banda? Como foi a gravação?    

Márcio: O Mauro tem outro, onde estão músicas que a gente trabalhou a vida toda, que é o “Corações Analógicos”. Nesse a gente só participou. Mas sempre tivemos a intenção de gravar um disco. Só que era muito difícil. Gravar qualquer coisa, mesmo em baixa qualidade, era muito caro.
Os instrumentos também não eram os melhores, então a gente esbarrava muito nisso tudo.    

Qual foi a primeira música composta para o disco?     

Márcio: Muito provavelmente foi Heil Hippie. As músicas são praticamente do Mauro, pois ele compunha desde a década de 70. Ele escrevia muito, e na época foi difícil até selecionar o repertório. Tem uma ou duas músicas que são do Valério, nosso outro irmão. O Julio não participou do disco, que foi gravado pouco depois que ele viajou pra Londres.    

Em algum momento vocês pensaram em se dedicar somente a música?    

Márcio: A ideia no início era essa. Por muito tempo eu trabalhei com música, mesmo sozinho, tocando em bar.      

Julio: Eu também fiz isso. Tocava aqui, tocava em Curitiba, dava aula de música também. O início da minha vida profissional foi com música, seja tocando ou dando aula.      

Qual foi o momento mais marcante da história da banda pra vocês?     

Julio: Nossa, tem vários.     

Márcio: Ter comprado uma Fender Stratocaster foi um deles (risos). Eu guardava em baixo da cama. Muita gente nunca tinha visto uma e queria ver (risos). Hoje você acha uma dessas muito facilmente.     

O que mudou para a banda com o lançamento do disco?

Julio: Bom, eu voltei para o Brasil em outubro de 2008, e não cheguei a participar da divulgação.

Márcio: O lançamento foi na Expopato. Nós montamos uma barraquinha e vendemos muitos CD´s. O disco teve uma boa repercussão, a gente fez muito show.

Por que vocês decidiram encerrar as atividades da banda?

Márcio: Há uns dois anos a agenda estava apertada, nos apresentávamos quase todo fim de semana. A banda virou um compromisso e deixou de ser um prazer, e a gente queria fazer aquilo por amor. Além disso, havia o trabalho, os compromissos do dia a dia, e a coisa acabou virando um fardo. Estávamos todos mais ou menos nesse ritmo, o Julio estava com mais um filho pra nascer, o Pique (baterista) havia recebido uma proposta boa de emprego em Curitiba.

Julio: Nós sempre tivemos muito apreço pelo que fazíamos e acredito que fechamos um ciclo. Fizemos muita coisa por muito tempo; lançamos CD, passamos pelo sonho juvenil de viver de música, hoje já não é mais assim. Temos outras profissões, família, então não teríamos condições de ficar viajando e vivendo disso.

Claro que entrar no palco é sempre bom. Pra mim cada show, cada música era tratada de forma especial, e ganhava todo o meu empenho. Só que cansou; você pensa na mulher grávida, no filho doente, em ter que acordar cedo pra dar aula e você não pode negligenciar isso.

Márcio: E a gente sempre encarou tudo com muito profissionalismo. Se era para montar uma banda então ela deveria ser a melhor possível. E a dedicação não estava mais sendo a mesma, pois começamos a trabalhar a noite, tínhamos compromissos e estávamos nos desencontrando. Não estava mais sendo possível ensaiar e pensar em um repertório novo.

Apesar disso, essa última fase da banda foi fantástica. Estávamos tocando melhor individualmente, o Beto (De Bortoli), que estava tocando baixo, tinha uma voz mais aguda e com isso conseguimos fechar um naipe de vozes completo.

De vez em quando a gente se reúne para tocar um set acústico, que também é um projeto bem interessante, mas é encarado mais como um hobbie mesmo.

Foto: Maya Dias.

Um comentário:

  1. Esses caras foram me procurar (Rogério Franzini - Gravadora Franzini Records) na época, provavelmente inicio dos anos 90, adorei o trabalho deles, pena que na época estava sem dinheiro para investir, achei o som setentão e desde então venho os procurando e acompanhando para ver suas carreiras, são musicos brilhantes e muito humildes, tinham um trabalho sensacional e eu ainda tenho uma demo em K7 gravada em casa que eles me levaram que tinhaHei Hippie e se não me engano uma musica chamada Ônibus.

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